-Quanto custa e que nome é o teu?
-Negociamos a que?
-A dinheiro, sempre.
-Em dinheiro preço não há e o nome é João. Aí está.
-Aí está? Riu-se enquanto se levantava movendo seu casaco marrom.
"Aí está", o silêncio teria sido melhor e mais enfático, pensou.
-A tempo, não se incomode em mais voltar. Preço, lembre-se, não há.
-Sim, em dinheiro não há, como bem esclareceu o senhor.
Vermelho de raiva, João senta-se novamente. Volta a tomar o café, agora frio, que havia preparado antes que o grandalhão do casaco chegasse.Teria perseguido o sujeito, mas sentia-se covarde, incapaz de enfretá-lo. E se estivesse armado? Morreria. Grande merda, viver encolhido como vivia não fazia sentido. Sentia-se agora covarde e óbvio. Não seria nunca capaz de compreender algo além das recorrentes obviedades, que repetia muitas vezes como mantras.
Essa constante mudança de diretrizes era de fuder. E pior era a qualidade das diretrizes, tão rasas.
-Hoje meu olhar é meu! - Repetiu para si um dos mantras. É meu. Sou eu quem olha hoje.
João invocava este mantra sempre que se sentia observado, mais especificamente, quando desviava seu olhar ao cruzar o de alguém. "Hoje meu olhar é meu". Nem sempre dava resultado. Às vezes, sentia-se sendo enganado por si. De qualquer modo, este não era um desses momentos. Não havia mais ninguém na sala. Parecia perdido, coitado.
Agora pegou seu casaco, pôs no bolso o telefone e levantou-se lentamente. Uma decisão havia chegado a sua mente. Olharia nos olhos do filho da puta. Ao menos uma vez. E o mataria. Ou quase. Na porrada.
Brilhante. Era isso.
Correu até a porta e ainda foi capaz de ver o grandalhão caminhando. Correu desesperadamente, muito rápido. Fazendo alarde de suas passadas. Parecia um maluco. Correu, correu. E o grandão nada de olhar para trás. Foda-se se ele olhar, eu quero é pegar de frente.
Alcançando uns cinco passos de distância, gritou sem a menor premeditação:
-Tá aqui!
O sujeito virou meio desacorsoado e levou o tremendo safanão, preparado com umas 2 passadas de antecedência, e caiu.
Caralho. Esqueci de olhar na cara.
Foda-se, cuspiu no camarada e foi embora.